A Câmara dos Deputados aprovou as emendas do Senado ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 18/2022, que considera como bens essenciais “os combustíveis, o gás natural, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo”, fazendo com que passem a ter a alíquota básica de ICMS, que é de 17%. A proposta também prevê compensações financeiras aos estados pela possível perda de arrecadação, mas é limitado aos entes federados que não possuem débitos com a União. Até o momento, o Poder Executivo reservou mais de R$ 46 bilhões para fazer os abatimentos.
A lógica do PLP está fundamentada na decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou a regra da essencialidade e da seletividade do ICMS sobre a energia elétrica, entendendo que suas alíquotas devem ser as básicas, e não as majoradas (RE 714.139, Tema 745 da Repercussão Geral). Em suma: o que é essencial não pode ter alíquotas majoradas. Essa decisão do STF teve modulação de seus efeitos para o exercício financeiro de 2024 a fim de que as finanças estaduais não fossem imediatamente atingidas.
O PLP 18/22 centra sua atenção em um aspecto importantíssimo, que é o da excessiva tributação dos estados sobre essas atividades que são essenciais para a economia do país. Tal proposta propõe que as perdas de arrecadação dos estados serão deduzidas da dívida destes para com a União (artigo 3º), desde que a perda de arrecadação seja superior a 5% — ou seja, troca-se receita por abatimento de dívida. Os estados ainda terão que repassar aos municípios sua parcela na correspondente quota-parte do ICMS (artigo 4º). O PLP ainda afasta regras da Lei de Responsabilidade Fiscal que incidiriam sobre essa operação (artigo 7º), dentre outras normas de controle, o que não está bem detalhado e pode gerar problemas sérios aos estados. A questão das vinculações aos gastos com ensino e saúde, dentre outras, também não estão adequadamente descritas, o que deve ser observado.
Não há dúvidas que o impacto fiscal nos estados será gigantesco, pois trocar arrecadação por pagamento de dívida não gera necessariamente dinheiro no caixa para custear educação, saúde e segurança pública, três das principais políticas públicas a cargo desses entes federados. Além disso, grande parte da dívida interfederativa encontra-se judicializada, motivo pelo qual sequer se conhece seu efetivo montante.
De acordo com boletim do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), a arrecadação de todos os tributos estaduais das 27 unidades da federação alcançou a cifra de R$ 566,888 bilhões em 2018. Desse total, R$ 479,664 bilhões vieram do ICMS.[1]
No entanto, há de se observar que desde 2016, no governo do ex-presidente Michel Temer, a Petrobras adotou o processo de paridade de importação (PPI) para definir o preço de derivados do petróleo.
O preço de paridade de importação (PPI) reflete os custos totais para importação do produto. É uma referência calculada com base no preço de aquisição do combustível, acrescido dos custos logísticos até o polo de entrega do derivado — o que inclui fatores como o frete marítimo, taxas portuárias e o transporte rodoviário — mais margens para remunerar riscos inerentes à operação. Tudo isso, em dólar.
O alinhamento dos preços da Petrobras ao mercado internacional tem um efeito natural: associa a dinâmica de preços do mercado brasileiro ao comportamento dos preços internacionais. Num momento de alta do barril do petróleo e da desvalorização do real perante o dólar, fica, portanto, mais caro comprar os combustíveis no Brasil. Mesmo com um choque duplo no país, de câmbio e petróleo, o governo federal resiste a abandonar o PPI.
Isso porque, sempre que há uma ameaça à política de preços da Petrobras, as ações da empresa despencam pelos temores de que os lucros sejam usados para fins políticos. E o foco da gestão da estatal é geração de caixa, resultante da venda dos combustíveis a valores de PPI, altos lucros e dividendos para acionistas.
A alternativa do governo, portanto, foi mexer no ICMS. Como o imposto incide no preço que sai das refinarias, não seria necessário eliminar o PPI do horizonte.
No entanto, como o consumidor final verá, de fato, a redução no valor do combustível com a redução da alíquota do ICMS se a Petrobras pratica o preço de paridade de importação, vinculado à variação do dólar? Dificilmente verá.
Sabe-se que o responsável por gerar a maior pressão sobre o valor dos combustíveis não são os impostos, mas a conjuntura internacional. Fugir da discussão acerca do PPI é deixar de atacar o ponto central do problema.
Qual a solução viável? Retomar a discussão acerca da criação de um fundo de estabilização: quando há uma subida de preço, há um subsídio para o preço do combustível de forma não a eliminar o aumento, mas atenuá-lo; quando há queda, há reposição do fundo para se preparar para os momentos de subida do preço.
[1] https://www.confaz.fazenda.gov.br/noticias-do-confaz/confaz-publica-boletim-de-arrecadacao-dos-tributos-estaduais-relativos-ao-ano-2018